Em uma das crônicas de “Um operário em férias“, Cristovão Tezza diz que, durante um jantar com Carlos Heitor Cony – autor que admiro muito, mas sobre quem nunca escrevi uma linha sequer, o que é um absurdo -, perguntou a Cony o que ele fazia quando tinha que escrever mas faltava assunto. O escritor carioca respondeu o seguinte: “Quando falta assunto, escrevo uma frase qualquer e sigo adiante”.
Fico pensando no que Cony diria se eu perguntasse o que ele fazia quando tinha muitas ideias sobre o que escrever mas faltava-lhe vontade, devido ao cansaço, ou quando simplesmente caía sobre ele “aquela preguiça” – defendo o direito de todo cidadão, seja ele quem for, sentir preguiça (mas raramente, por favor).
Há alguns dias venho pensando em escrever um pequeno texto com algumas “histórias” “entre” mim e o escritor sul-africano J.M. Coetzee, laureado com o Nobel de Literatura em 2003. Muitas aspas nessa hora, porque é lógico que não tenho histórias para contar sobre Coetzee. Apenas alguns fatos curiosos em que seus livros ou ele estavam “no meio”.
Por exemplo: comprei, em 2003, “Juventude”, belíssimo romance de formação do autor, segunda parte de uma trilogia autobiográfica iniciada com “Infância” e concluída com “Verão”. Li o livro no mesmo ano, e lembro não apenas de ter gostado muito dele, mas também de ter ficado um bom tempo assombrado por sua causa.
Algum tempo depois, caí na besteira de emprestá-lo. A pessoa não me devolveu e fiquei sem o livro. Até o dia em que reencontrei “Juventude”, no mesmo lugar onde havia comprado o primeiro exemplar, em promoção. Não pensei duas vezes e comprei-o novamente. Isso foi em 2007, meses depois de eu voltar da Flip que Coetzee participou, lendo um trecho do seu então novo livro, “Diário de um ano ruim”, que seria publicado no Brasil um ano depois. O autor não quis fazer parte de uma mesa, responder perguntas etc., mas aceitou realizar uma sessão de autógrafos. Foi a maior fila de autógrafos que vi naquela Flip.
Depois da leitura do trecho de “Diário de um ano ruim”, a caminho da mesa onde daria os autógrafos, Coetzee passou por mim. Eu estava parado no meio do caminho entre seu ponto de partida e o ponto de chegada, não lembro se sozinho ou se enchendo o saco de um autor nacional que gosto muito – tanto que vou poupá-lo do constrangimento de citar seu nome aqui -, e meus olhos cruzaram com os de Coetzee. Em minha memória, a cena se passou em câmera lenta, e diante de mim não estava um simples mortal, mas uma espécie de entidade que eu deveria reverenciar.
Um dos trechos de “Diário de um ano ruim” que me marcou foi o seguinte: “E fica-se grato à Rússia também, à Mãe Rússia, por estabelecer diante de nós com certeza tão inquestionável o padrão ao qual todo romancista sério deve aspirar, mesmo sem a menor chance de chegar lá: o padrão do mestre Tolstói de um lado e do mestre Doistoiévski do outro. Com o exemplo deles somos artistas melhores; e com melhor não quero dizer mais hábeis, mas eticamente melhores. Eles aniquilam nossas pretensões impuras; eles esclarecem nossa visão; eles fortalecem nosso braço.”. E um dos meus modelos, na ficção, apesar de ter lido quase nada dele, é justamente Coetzee. Não apenas pelo que ele escreve, mas pela forma como ele escreve, e pela coragem com que assume certas posições políticas tanto em seus livros quanto como cidadão.
Para completar a lista de “casos” envolvendo Coetzee, dias atrás inventei de comentar com uma cliente que estava lendo um excelente livro, a saber, “A infância de Jesus”, obra mais recente do autor. Completei dizendo que ia mostrar o livro a ela, mas que era meu. O problema é que ela não ouvir essa parte. Já tendo em mãos um exemplar de “Indignação”, de Philip Roth, ela disse que iria levar o Coetzee também. Quando falei que o livro era meu, ela não desistiu: disse que queria levar o livro. Só me restou cadastrar o produto e fazer uma “encomenda” do livro. Resultado: ela levou o meu e a encomenda ficou para mim.
Mas é claro que essas histórias só são divertidas e marcantes para mim, que tenho uma grande admiração pelo Coetzee. Contá-las, aqui no blog, seria uma perda de tempo, tanto para mim quanto para quem ler o texto. Porém, foi o Tezza quem me deu a ideia, ao citar o Cony: “Quando falta assunto, escrevo uma frase qualquer e sigo adiante”. Apesar de que, no meu caso, o que faltava era disposição.
Agora, é minha vez de citar o Tezza: “Atento à voz do mestre, acabo de testar a receita. Parece que deu certo”.
P.S.: “Juventude” acaba de sofrer uma queda horrível, de um improviso de estante que fica aqui ao meu lado. Estou evitando checar se houve algum dano, não tive coragem de fazer isso ainda. Espero que ele esteja bem.