Mestre Moa do Katendê foi assassinado no dia 08 de outubro de 2018, dia em que o Brasil foi às urnas votar em deputados federais e estaduais, senadores, governadores e presidente. O motivo de seu assassinato foi político: Mestre Moa foi morto porque declarou ter votado em Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República. Mestre Moa foi morto por um eleitor do então candidato, hoje Presidente, Jair Bolsonaro.
Antes dessa data, eu nunca tinha ouvido falar de Mestre Moa. Não por ele ser um desconhecido: Mestre Moa era uma personalidade com uma influência enorme na cultura baiana e tinha destaque nacional e internacional. Se não tivesse sido brutalmente assassinado por um eleitor de Jair Bolsonaro, Mestre Moa iria, mais uma vez, a São Paulo divulgar sua arte. Antes, tinha passado por vários países da Europa, entre eles Inglaterra, França e Suíça.
Se eu não conhecia Moa é porque, confesso, vivo dentro de uma bolha que venho tentando estourar nos últimos anos. Essa bolha não conhecia Mestre Moa, e infelizmente ficou conhecendo por causa de uma tragédia.
Uma tragédia ocasionada por questões políticas. Uma tragédia que foi consequência do discurso de ódio, do clima de intolerância e de incitação à violência que Jair Bolsonaro vem estimulando há anos e que, infelizmente, tomou conta de uma parte da população brasileira. Se a maioria das pessoas “apenas” transformou essa intolerância e essa violência em palavras (leia-se: agressões verbais), uma minoria transformou intolerância e ódio em ações. Não foram poucos os relatos de agressões físicas a pessoas ligadas à esquerda durante a eleição, e Mestre Moa foi a primeira vítima fatal do discurso bolsonarista.
À época, muita gente tentou contemporizar e dizer que o assassinato de Mestre Moa foi um “caso isolado”. O problema desse “argumento” é que, logo depois, dois outros assassinatos foram cometidos “em nome” do bolsonarismo. Um travesti foi assassinado em 17 de outubro, e um jovem de 23 anos foi assassinado no dia 27 de outubro.
Houve, também, quem fizesse pouco do assassinato de Mestre Moa. Em comentário a uma postagem que fiz sobre a tragédia, um amigo comentou “Será que ele é colega do que [deu] a facada em Bolsonaro?”. E houve quem relativizasse o caso dizendo, sem demonstrar qualquer choque ou pesar sobre o assassinato de Mestre Moa, que a violência “está muito alta” e que a situação continuaria “do mesmo jeito caso Haddad fosse eleito”.
Após a eleição, os casos de violência com motivações políticas ou de certa forma legitimados pelo discurso de ódio que vem do Palácio do Planalto continuaram a crescer. Líderes indígenas e de movimentos pela reforma agrária foram mortos, e o número de feminicídios aumentou assustadoramente no primeiros meses de 2019.
Diante de tanto ódio, tanta intolerância e tanta violência, a conclusão é uma só: o bolsonarismo mata. E Jair Bolsonaro, o artífice dessa corrente tóxica, dessa seita perigosa, continua com o mesmo discurso. Trata a todos que discordam dele como inimigos e esse comportamento é seguido por parte de seus apoiadores fiéis.
Apesar de ser notório, é preciso registrar quantas vezes for necessário que Jair Bolsonaro nunca pediu para seus apoiadores respeitarem quem pensa diferente deles. Muito pelo contrário: Bolsonaro alimenta o ódio, a violência e a intolerância. Bolsonaro não é, nem nunca foi, um cidadão de bem. Bolsonaro é o regente de uma orquestra do Mal.
Mestre Moa, este sim um cidadão de bem, que com sua arte contribuiu com a cultura da sua comunidade, da sua cidade, do seu país e se tornou um representante dessa cultura diante da comunidade internacional, foi a primeira vítima fatal do bolsonarismo. Outras vítimas vieram depois, mas o bolsonarismo – leia-se: Jair Bolsonaro – não foi responsabilizado da maneira que deveria.
O assassinato de Mestre Moa deixou uma família sem o pai que ele era, sem o tio que ele era, sem o primo que ele era. Os amigos de Mestre Moa perderam o amigo. Seus alunos perderam o professor. Sua comunidade, Salvador, a Bahia, o Brasil e o mundo perderam um verdadeiro herói.
E agora, um ano depois, essa tragédia ganhou contornos ainda mais tristes: uma das irmãs de Mestre Moa sofreu um infarto a caminho da missa realizada em homenagem a ele e morreu.
Por sua importância e pelo caráter político de sua morte, é preciso lembrar de Mestre Moa, que foi compositor, dançarino, capoeirista, percussionista, artesão e educador. É preciso lembrar de Mestre Moa e dar mais voz aos movimentos negros. É preciso lembrar de Mestre Moa e valorizar mais a cultura afro. É preciso lembrar de Mestre Moa e enfrentar o fato de que temos um neofascista na presidência da república do nosso país. É preciso lembrar de Mestre Moa e admitir que esse presidente é o culpado indireto por sua morte. É preciso lembrar de Mestre Moa e não permitir que tragédias como essa voltem a acontecer.
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