* Aproveitando que foi lançado o livro “Manual prático de bons modos em livrarias“, decidi republicar o post abaixo, originalmente publicado no endereço anterior, no site da extinta revista Bravo!.
Sobre o livro, enquanto ele não chega às minhas mãos e enquanto não o resenho, confiram a sinopse da editora:
“Em 2011 a livreira Lilian Dorea criou o blog [manual prático de bons modos em livrarias], para revelar histórias saborosas e hilárias de seus atendimentos em livrarias. O sucesso foi imediato e ela passou a receber relatos de outros livreiros. Agora, transformado em livro, ela reúne os melhores ‘causos’ do blog, histórias inéditas, curiosidades, dicas de livros, blogs, sites e, claro, livrarias e sebos. Se você quiser evitar ser o novo protagonista de um post do [manual prático de bons modos em livrarias], é melhor ler este livro com toda atenção e aprender a ‘etiqueta’ das livrarias.”
Algumas pessoas imaginam que trabalhar em livraria é a coisa mais fácil do mundo. O único trabalho que o atendente tem, para essas pessoas, é ir à prateleira e pegar o livro solicitado por algum cliente. De resto, é ficar lendo o dia inteiro ou conversando sobre literatura com os colegas.
Nesse mundo maravilhoso, o paraíso seria uma livraria – e não uma biblioteca, como disse Borges.
Mas as coisas não são bem assim. Um livreiro – como são chamados os donos de livrarias ou aqueles que trabalham em livrarias – tem muitas outras atividades. Os livros chegam dentro de caixas, e é necessário abri-las e tirá-los lá de dentro. Além disso, é importante conferir o conteúdo das caixas – pode parecer que não, mas o mercado de livros tem toda uma organização.
Feito isso, é preciso aguardar os novos títulos serem cadastrados “no sistema” – sim, livrarias têm sistemas de busca e controle de estoque, mesmo que alguns poucos livreiros possuam a incrível capacidade de saber onde estão e qual a quantidade de praticamente todos os livros da loja.
Depois, vem o trabalho talvez mais importante: guardar esses livros em seus devidos lugares. Os lançamentos ou livros cuja venda é certa geralmente vão para lugares de destaque na livraria. Mas a maioria das obras vai para as estantes, ou por serem livros que ficam melhor abrigadas nelas, ou por serem obras que, sejamos sinceros, não merecem ocupar espaços nobres.
Alguns desses espaços nobres são as vitrines, que precisam ser montadas com cuidado. Os livros a serem colocados nelas devem ser não apenas bons, mas interessantes e bonitos. Os livros são portadores de conhecimento mas são também produtos, e, se a lógica de uma livraria é obter lucro, não se coloca “Dom Casmurro” na vitrine.
Mas até o momento estamos falando de atividades não muito “chatas”. É desafiador, até, procurar espaços estratégicos para bons livros ou boas apostas. E é extremamente gratificante ver que uma determinada exposição resultou em venda, principalmente no caso de livros que não estão na mídia.
As atividades “chatas” – entre aspas porque, se você gosta de livros, jamais vai dizer que é chato trabalhar em uma livraria – são as seguintes: limpar prateleiras e balcões, ensinar aos clientes como se abre um livro – porque a maioria das pessoas não sabe abrir um livro; geralmente elas os abrem demais, dobram demais a capa –, cuidar para que os filhos dos clientes não rasguem os livros nem os joguem no chão, recolher títulos da área infantil na área de sexologia ou livros de Filosofia na estante de Administração – que, detalhe, são bem distantes uma da outra –, entre outras atividades.
Mas o mais “chato” – e também divertido –, mesmo, talvez seja bancar o detetive. Sim, porque todos os livreiros têm algo de Sherlock Holmes – se não têm, aprendem a duras penas. Livreiros precisam indicar livros para os clientes presentearem chefes, sogras, namoradas, amigos ou pessoas que sequer conhecem bem. Livreiros precisam descobrir qual é o livro de capa vermelha que estava na vitrine há cerca de um mês. Livreiros precisam descobrir qual é aquele “livro de administração” escrito por um tal de Niá Tsu – a saber: “A arte da guerra”, de Sun Tzu. Livreiros precisam saber quais são as obras que estão disponíveis na loja sobre a reprodução de cavalos-marinhos brancos no Oceano Índico.
E não se pode deixar de mencionar o fato de que livreiros fazem também as vezes de psicólogos. Aquelas mesmas pessoas que imaginam não haver trabalho algum a ser feito na livraria pensam que podem passar horas conversando com o livreiro sobre o que quer que seja – e aqui você pode imaginar qualquer coisa mesmo.
Por tudo isso, e por outras coisas que não foram mencionadas aqui – mas, principalmente, pelo amor que algumas poucas boas almas têm pelos livros e pela literatura –, trabalhar em livraria é uma delícia. Um prazer que poucos conhecem e têm a alegria de desfrutar.
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Para quem ainda não conhece: confiram o blog Manual Prático de Bons Modos em Livrarias, que conta com uma bela coleção de “causos” engraçadíssimos – melhor rir do que chorar, né? – que vivem acontecendo nas livrarias do nosso Brasil.