O que é o silêncio? No mais das vezes, é o que nos mandam fazer para escutar algum tipo de barulho, prestar atenção em alguma coisa. Pode-se dizer, portanto, que não queremos estar em silêncio, mas somos obrigados a silenciar, emudecer. Dessa forma, o silêncio pode ser ligado a uma espécie de repressão. Não uma repressão violenta, é claro, mas a uma vontade reprimida de comunicação. E então o barulho ganha ares de uma espécie de rebeldia.
Confesso que nunca havia pensado no silêncio – e no barulho – dessa maneira. Esses (e outros) pensamentos vieram à tona durante e após a leitura de um livro importantíssimo para os nossos dias: “Silêncio – Na era do ruído”, do editor, escritor e explorador norueguês Erling Kagge (Objetiva, 2017, 160 págs., trad. de Guilherme da Silva Braga).
Se podemos ver o silêncio como sinal de repressão ou vontade reprimida, Kagge propõe um outro olhar, mais cuidadoso e positivo. Dialogando com as próprias visões, experiências e também com personalidades – o escritor norueguês Jon Fosse e o multifacetado Elon Musk entre elas -, Kagge disserta sobre a importância não apenas do silêncio “concreto”, ou seja, aquilo que é o oposto de barulho, mas também do silêncio “abstrato”, aquele que só podemos encontrar dentro de nós, silenciando, por assim dizer, nossa mente, e “trancando o mundo do lado de fora”, como ele gosta de dizer.
Uma das maneiras que Kagge encontra de ficar em silêncio é justamente utilizando um barulho maior para sobrepor aquele que o incomoda:
“Eu trabalho na cidade, onde às vezes sou obrigado a criar meu próprio silêncio. Às vezes o barulho é tanto que eu aumento o volume da música, não para ficar ainda mais perturbado, mas para trancar outros barulhos do lado de fora. Pode dar certo quando escolho uma música simples que já conheço, assim não há nenhuma surpresa.”
Sobre a expressão “trancar o mundo do lado de fora”, Kagge explica que isso “não significa dar as costas ao lugar em que você está, mas justamente o contrário: ver o mundo de uma forma um pouco mais nítida, manter-se na superfície e sentir amor pela vida”.
Ao contrário do que possa parecer, Kagge não advoga em favor do isolamento. Muito pelo contrário: a ideia para escrever o livro surgiu após conversar sobre a importância do silêncio com suas filhas e após uma palestra que fez sobre o silêncio numa universidade, o que o levou a novas conversas sobre o assunto com alguns dos alunos presentes. Se, por um lado, o autor preza pelo silêncio, por outro sua ode ao silêncio é em benefício do (auto)conhecimento, o que só pode ser alcançado, fica implícito, com leituras, pesquisas e, claro, diálogos e interações com outras pessoas.
O “silêncio” a que Kagge se refere é aquele em que nós nos damos um tempo para nós mesmos. Uma janela na rotina para, novamente, “trancar o mundo do lado de fora” e mergulharmos em nós mesmos. Em vez de ficarmos presos ao excesso de acontecimentos e experiências do mundo moderno, que não para, Kagge sugere “trancarmos o mundo do lado de fora e usarmos nosso tempo para criar nossas próprias experiências”, e também refletir sobre nossas vidas e o mundo que nos cerca.
Mas, mais uma vez, isso nada tem a ver com o isolamento. Enquanto fala sobre “trancar o mundo do lado de fora”, Kagge compartilha com o leitor um pouco de sua rotina de pai, editor, escritor e aventureiro. Ele conversa com as filhas, tem reuniões na editora, faz pesquisas para escrever e anda pelo mundo em busca de aventuras (Kagge foi a primeira pessoa a caminhar sozinha no polo Sul e a chegar aos três polos – Norte, Sul e o cume do Everest). Ou seja: de isolado Kagge não tem nada.
Ele apenas acredita que reservar um tempo para nós mesmos pode ajudar a enxergarmos melhor a nossa realidade e a ter ideias que muitas vezes são impedidas de vir à toda por causa da barafunda que é o nosso redor e, consequentemente, a nossa mente. Para exemplificar isso, Kagge destaca uma declaração de Mark Juncosa, “um dos cérebros por trás do programa espacial de [Elon]Musk”:
“Em um dia normal de trabalho, eu tenho umas oito horas de reuniões e preciso de mais outras horas para responder meus e-mails. Não me sobra tempo algum. A única hora em que posso trancar o mundo do lado de fora é quando estou exercitando, surfando, tomando banho ou usando o banheiro. É nessas horas que muitas soluções aparecem.”
Antes mesmo de ler “Silêncio”, alguns pensamentos sobre o silêncio passaram pela minha mente. Hoje, mesmo o silêncio pode ser barulhento, de certa forma. Por exemplo: mesmo no silencioso, as notificações de mensagens ou curtidas no celular fazem um “barulho” em nossa mente. Por essas e outras, penso, devemos dar uma maior importância ao silêncio, no sentido de “trancar o mundo do lado de fora”.
“Encontrar o silêncio”, diz Kagge, “é bem mais fácil do que muita gente pensa. Afinal, ele está onde você estiver”.