Sempre tive curiosidade de ler Sérgio Sant’Anna, um dos principais autores brasileiros do século XX, mas só o fiz há três anos. E logo de cara me perguntei por que demorei tanto. Sérgio é o tipo de escritor que todo leitor – e, principalmente, todo aspirante a escritor – deveria ler.
Comecei por “Anjo noturno” (contos), seu livro mais recente, e depois passei para “O conto zero e outras histórias”, de 2016. Essas duas obras me deixaram fascinado pelo autor, e a partir daí adquiri outros títulos, dos quais li alguns contos.
A especialidade de Sérgio Sant’Anna eram os contos, alguns mais curtos, outros mais longos. Ele também escreveu romances e novelas, mas o conto foi o gênero que o consagrou e do qual é um dos mestres.
Soube pela manhã da morte de Sérgio, em decorrência do coronavírus. Para mim, foi um choque, porque, apesar de não conhecê-lo, me identifiquei tanto com seus contos que sentia como se o conhecesse há décadas.
Desde que comecei a lê-lo vinha pensando em entrevistá-lo para a Outros Ares, mas queria ler pelo menos mais um ou dois de seus livros, principalmente “O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro” (contos), que é considerado por muitos o seu melhor trabalho. Agora é tarde.
Nas últimas semanas, Sérgio Sant’Anna publicou um conto inédito na Folha de São Paulo e outro na revista Época. Ainda nem consegui parar para lê-los. Apesar da idade avançada – Sérgio tinha 78 anos -, ele estava produzindo bastante. Mas a vida é assim, em pouco tempo muita coisa pode mudar. Há poucos dias, Sérgio foi internado. Hoje, ele se foi.
Sérgio se foi e deixou um vazio imenso. Um escritor excepcional, um intelectual comprometido, que sempre esteve do lado certo da história. Foi contra a ditadura, e nos últimos anos se posicionou contra o avanço do obscurantismo no Brasil.
Numa de suas últimas postagens no Facebook, dia 30 de abril, Sérgio escreveu “O Brasil é um filme de terror”. O maior vilão desse filme, claro, é o presidente Bolsonaro, que desde o início da pandemia de coronavírus vem minimizando a doença e se colocando contra a manutenção do isolamento social como forma de combater a sua proliferação.
Foi essa doença, uma “gripezinha”, segundo o presidente, que tirou a vida de Sérgio Sant’Anna, um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos. Como sempre acontece quando morre um de nossos grandes artistas, nem o presidente nem nenhum membro do governo lamentará a sua morte ou fará alguma homenagem.
Melhor assim. Sérgio Sant’Anna não merece receber qualquer tipo de homenagem deste governo nefasto.