No dia 01 de maio de 1994 eu era só um pirralho que não tinha nem 11 anos de idade. Era um domingo e lembro que estava assistindo ao GP de Ímola com um vizinho, na sala aqui de casa, quando Ayrton Senna sofreu o acidente que o matou. Naquela época eu não tinha como perceber, mas hoje tenho certeza absoluta de que foram eternos e trágicos os segundos que se passaram entre o choque da Williams com o muro de proteção da curva Tamburello e a primeira palavra de Galvão Bueno após o acidente. Porque naqueles segundos perdemos para sempre o maior esportista brasileiro de todos os tempos, um dos poucos homens que nos faz ter orgulho de ser brasileiros e que tantas vezes levou ao alto do pódio a bandeira do nosso país tão querido.
Lembro-me claramente de que, depois daqueles segundos, o capacete de Senna mexeu um pouco e Galvão, imaginando estar tudo bem, tentou tranquilizar os espectadores, dizendo que aquele movimento era um sinal de Senna avisando que estava bem. Mas não estava. Aquele foi, talvez, o último suspiro do campeão.
No alto de meus 10 anos e 10 meses de idade, eu disse para o meu vizinho “aí já era”, e o chamei para brincar de alguma coisa. Disse isso baseado no fato de que, no dia anterior, o piloto austríaco Roland Ratzenberger morreu em um acidente na mesma pista. Mas até hoje não me perdoo por aquele comentário frio e infeliz. Talvez eu tivesse vergonha de demonstrar qualquer esboço de emoção naquele momento, ou quisesse fugir da realidade, ou no fundo tivesse a esperança de que tudo iria acabar bem.
Horas depois, já na casa de meus avós, assistimos ao Roberto Cabrini dizer, oficialmente, que Ayrton Senna estava morto. A alegria do almoço familiar ficou abalada e lembro muito bem de meus pais olharem para mim logo após o anúncio de Cabrini. Eles sabiam que eu gostava muito do Senna e ficaram preocupados com minha reação. Na verdade, eu já vinha sendo observado desde a manhã, quando eles tomaram conhecimento do acidente. E mais uma vez demonstrei uma frieza impressionante, quando me perguntaram se eu estava bem. Respondi que sim, que já sabia que isso ia acontecer, e voltei a fazer o que estava fazendo: mexendo em algum brinquedinho ou lendo alguma revista – disso eu não lembro com exatidão.
Voltamos para casa e o domingo transcorreu normalmente. Eu continuava firme como uma rocha.
O dia passou, a noite chegou, e meus pais, já tranquilos por eu não ter ficado chocado com a morte de Senna, foram dormir e me deixaram acordado, vendo tevê. Foi quando, assistindo ao Fantástico (quando o Fantástico ainda era um programa quase obrigatório), finalmente senti o impacto do que acontecera. Eu finalmente entendi que, a partir dali, a Fórmula 1 não teria mais razão de ser, para mim. Que nunca mais eu iria ver o Senna, no alto do pódio, com a bandeira do Brasil. Eu nunca mais ouviria o tema da vitória que acompanhava suas vitórias e tanto me deixava contente. Eu finalmente senti a morte de Senna. E, então, comecei a chorar.
Chorei por horas. Perguntava a Deus por que ele tinha feito isso. Perguntava a Senna por que ele tinha corrido, mesmo sabendo dos riscos da pista e já tendo o Ratzenberger morrido e o Rubinho sofrido um acidente no dia anterior. Me perguntava por que diabos a FIA não cancelou aquele GP e por que os médicos que socorreram Ratzenberger não foram à imprensa dizer que ele tinha, sim, morrido na pista, o que tornaria impossível a corrida no dia seguinte.
Durante a semana que sucedeu aquele domingo, derramei mais outros tantos de lágrimas. Sempre escondido, não queria que ninguém me visse chorando, ainda mais depois do papelão que fiz naquele 01 de maio. E, confesso a vocês, os olhos ainda marejam e lágrimas são derramadas até hoje ao lembrar do nosso eterno Ayrton Senna.
* Texto publicado originalmente em 2009, no blog Entretantos.