Publicado no Brasil em 2005 dentro da excelente e infelizmente encerrada coleção Safra XXI, da editora Rocco, “Como me tornei estúpido” (160 págs., R$ 26,50), do francês Martin Page, é um pequeno romance cujo protagonista é Antoine, um jovem de vinte e cinco anos que decide abdicar da sua intelectualidade, digamos assim, em nome de uma vida mais tranquila, menos afetada pelos grandes problemas do mundo.
“Ele constatara muitas vezes que inteligência é palavra que designa baboseiras bem construídas e lindamente pronunciadas, e que é tão traiçoeira que frequentemente é mais vantajoso ser uma besta que um intelectual consagrado. A inteligência torna a pessoa infeliz, solitária, pobre, enquanto o disfarce de inteligente oferece a imortalidade efêmera do jornal e a admiração dos que acreditam no que leem.”
Antoine decide, portanto, tornar-se estúpido, e vê no alcoolismo o melhor caminho para alcançar o seu objetivo: “A embriaguez parecia-lhe o meio de suprimir toda e qualquer veleidade reflexiva da sua inteligência. Embriagado, ele não teria necessidade de pensar, ele já não o poderia: seria um retórico de aproximações líricas, eloquente e volúvel”.
Num bar, conhece Léonard, um homem de idade avançada e com larga experiência etílica que aceita ser o “mestre” de Antoine na arte da bebedeira. Minutos depois, o plano fracassa de maneira risível.
O protagonista é forçado a mudar de tática. Agora, vai tentar o suicídio. Dessa forma, poderá se livrar de uma vez por todas de si mesmo. Mas, para evitar um novo fracasso, decide assistir a uma aula de como suicidar-se, promovida por uma associação que treina potenciais suicidas. Após a primeira aula, Antoine desiste de dar cabo da própria vida.
Seu próximo passo é procurar ajuda médica, e por isso vai ao seu pediatra. Isso mesmo: pediatra; que, a essa altura, já não é somente médico, é também amigo de Antoine. Depois de ouvir as explicações do paciente e de terem uma conversa enérgica, Edgar receita um antidepressivo chamado “Felizac”. Algumas páginas depois, já sob efeito do remédio, Antoine passa por uma mudança radical de comportamento. Come um sanduíche do McDonald’s e toma, pela primeira vez, uma Coca-Cola. Além disso, com suas últimas reservas financeiras – o limite do cheque especial – muda o corte de cabelo e compra roupas de marcas famosas.
Sem dinheiro, vê-se forçado a trabalhar, mas encontra dificuldades em se encaixar numa vaga devido a sua formação peculiar: bacharelado em biologia, mestrado em aramaico e “mestrado no cinema de Sam Peckinpah e Frank Capra”. No entanto, resolve o problema ao recorrer a um “ex-colega de ginásio que fizera fortuna, Raphäel”. Aqui chegamos perto do final do livro, e convém não abordar mais o enredo. Que não se resume aos parágrafos acima, é bom deixar claro.
Divertido, leve e perspicaz, “Como me tornei estúpido” pode parecer, para o leitor que termina de ler a última página, o tipo de livro que se esquece pouco tempo depois de finalizada a leitura. Mas não. É bem provável que o leitor se lembre, por um bom tempo e com certa saudade, de Antoine e suas peripécias.