Se você gosta de séries e tem perfis em redes sociais, é muito provável que já tenha ouvido falar – não muito bem – em “O mecanismo”, série da Netflix inspirada no livro “Lava Jato: O juiz Sergio Moro e os bastidores da Operação que abalou o Brasil”, do jornalista Vladimir Netto.
Produzida e criada por José Padilha, diretor dos filmes “Tropa de Elipe” e do remake de “Robocop”, entre vários outros trabalhos, “O mecanismo” foi muito criticada nas redes sociais, tanto por sua falta de qualidade técnica/dramatúrgica quanto por aspectos ideológicos. Fazendo ressalvas a alguns exageros, a verdade é que “O mecanismo” é mesmo uma série muito ruim.
Os dois primeiros episódios são os piores. Neles, conhecemos os personagens principais em 2003, dez anos anos antes de a Operação Lava Jato ter início: Marco Ruffo (Selton Mello), delegado da Polícia Federativa; Verena Cardoni (Carol Abras), delegada da Polícia Federativa; e o doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Diaz).
Em 2003, Ruffo finalmente consegue prender Ibrahim, que fez parte da engrenagem do escândalo do Banestado, gestado e desenvolvido nos anos FHC. Mas o doleiro (versão de Alberto Youssef) faz um acordo de delação premiada com o Ministério Público e pouco tempo depois está em liberdade. Ruffo, obcecado por Ibrahim – que foi seu colega de infância -, tem uma reação intempestiva ao acordo, é exonerado por problemas mentais e em seguida tenta cometer suicídio.
Os problemas mais graves de “O mecanismo” estão pulverizados por todos os (poucos) oito episódios, mas nos dois primeiros eles incomodam mais:
1) as frases feitas;
2) as vozes de Selton Mello e Carol Abras em off num tom péssimo e às vezes até difíceis de entender (tive que ativar as legendas em alguns momentos);
3) as cenas sensuais da delegada Verena com o procurador Claudio (Lee Taylor), absolutamente desnecessárias, uma vez que a relação amorosa entre eles não tem a menor química (para usar um clichê);
4) algumas situações esdrúxulas, como uma cena sem eira nem beira de Ruffo no escritório de Ibrahim.
É verdade que depois do tormento dos dois primeiros episódios a série “despiora” um pouco, mas não o suficiente para fazer de “O mecanismo” uma versão política de “Tropa de Elite” – o que, aparentemente, foi o que Padilha tentou fazer.
Além dessas questões técnicas, a série comete o erro gravíssimo de colocar, na boca do personagem Higino (versão do ex-presidente Lula), a frase “estancar essa sangria”, dita pelo senador Romero Jucá em diálogo já eternizado com o ex-senador Sérgio Machado. Há, também, o fato de deixar no ar que o escândalo de 2003 do Banestado tem a ver com o então governo Lula, o que é mais uma grave falha da série.
Mas nem tudo é tragédia em “O mecanismo”. A série acerta, por exemplo, ao retratar a vaidade dos procuradores do Ministério Público Federal (“MFP” na versão ficcional), concentrada no procurador Cláudio, e o mesmo sentimento no juiz Rigo (o Sérgio Moro da série), da mesma maneira que é correta ao mostrar que vários partidos, e não apenas um, estão envolvidos em esquemas de corrupção (as versões de Aécio Neves e Michel Temer aparecem amedrontados com a Lava Jato, tramando uma maneira de barrar a Operação).
As atuações não são destaque em “O mecanismo”, exceto pela interpretação espetacular de Enrique Diaz, e a angustiante performance de Pietro Mário como o advogado Mário Garcez Brito, que vem a ser a versão de Márcio Thomaz Bastos, falecido em 2014.
O problema é que esses pontos positivos não chegam sequer perto de compensar os pontos negativos, e o resultado é uma série que beira o constrangedor. Teria sido muito melhor se José Padilha tivesse feito uma série documental, como a excelente “Na rota do dinheiro sujo” (escrevi sobre os dois primeiros episódios aqui e aqui) ou a estupenda “Wormwood”, documentário preenchido com trechos encenados, ambas disponíveis na Netflix.
De qualquer forma, é muito provável que “O mecanismo” tenha uma segunda temporada, o que dá a José Padilha e sua trupe tempo de sobra para corrigir os defeitos e, quem sabe, preencher as expectativas de quem esperava uma série no mínimo boa sobre a Lava Jato. Se Padilha parar de encarar de maneira infantil e boboca as críticas que lhe são – justamente – feitas, isso pode ser possível.
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Muito boa resenha, meu caro Rafael Rodrigues.
Obrigado, meu caro!
Ruim???? Quem assiste não consegue tirar o olho da tela.
Mas eu também não consegui, Leandro. No meu caso, o motivo foi pra ver até onde tanto defeito ia dar 😉
Gostei muito da Série sim… achei bem razoável os nomes dos personagens e a historia em si fala muito bem da corrupção que se alastrou desde que PT e os partidos ligados a ele assumiram o desgoverno do país…. espero nunca mais ver um partido comunista no comando da nossa nação.
Clayton, duas coisas: 1) a corrupção está se alastrando há décadas, quiçá séculos, no Brasil. A própria série diz isso. 2) O PT não é nem nunca foi um partido comunista. Se você viveu ou se informou sobre os anos Lula, e mesmo os anos Dilma, sabe que bancos e grandes empresários nunca ganharam tanto dinheiro. Isso não aconteceria se o PT fosse comunista.
Que materiazinha tendenciosa….pra não dizer publieditorial. Reclamar da “voz em off” , “cena esdrúxula “, “vaidade dos promotores e juízes” .
Ahhh pára, os 2 maiores defeitos da série é não dar nome aos ratos e não mostrar que “o mecanismo” foi apropriado, sim, pq já existia antes, é posto a serviço da aprovação do sistema para o sequestro de uma nação iletrada e ingênua. Sim… vc entendeu…..
Giuliano, não é matéria, é uma resenha da série. Por ser resenha, tem opinião. Nesse caso, a minha. E a minha opinião é essa aí que você leu(?). Se não concorda, tranquilo. Respeito a tua opinião e conto com o seu respeito em relação à minha.
Na minha opinião já faz muito tempo que não assistia uma série tão boa.
Pena que provavelmente não será exibida na tv aberta.