O que antes era boato, agora é fato: a revista Bravo! foi “descontinuada” – esse foi o termo que a editora Abril utilizou ao anunciar a notícia -, ou seja, acabou. O último número da publicação será o deste mês de agosto, e traz uma capa belíssima, com o escritor português José Saramago, morto em 2010.
Nem bem a notícia começou a circular e já pipocavam nas redes sociais críticas à revista. Alguns dizendo que a Bravo! era elitista, ou que ela era superficial, outros reclamavam do preço. Ao ver esses comentários, me perguntei: por que não criticaram antes? Críticas, quando construtivas, podem ajudar a melhorar os seu alvos. Agora, quando não há mais nada a fazer, de que adianta criticar? Só lembrando que criticar por criticar é uma coisa; analisar, é outra.
De minha parte, só tenho a lamentar.
Ao contrário de muita gente, não tenho, é verdade, uma relação afetiva com a Bravo!. Nunca fui um consumidor assíduo da revista, e jamais pensei em assiná-la porque, das revistas que assinei, a única que eu abria assim que chegava era a Playboy, quando eu era bem mais novo, e por motivos óbvios: as entrevistas e reportagens, é claro. Mas, de vez em quando, eu comprava a Bravo!. E, ainda que não aproveitasse todo o conteúdo – geralmente só lia a parte de literatura, apenas passando o olho pelo restante das matérias -, eu gostava da revista. Mais que isso: eu achava a Bravo! importante.
O Brasil tem quase 200 milhões de habitantes. Contemos quantas revistas de arte e cultura tem o Brasil. Revistas mensais, impressas, de arte e cultura, de circulação nacional, por favor. Quantas temos, agora? Só consigo ouvir o silêncio.
Um silêncio não apenas do meu interlocutor imaginário – e de mim mesmo – tentando lembrar de ao menos uma publicação que se encaixe nesse universo. É um silêncio muito maior, pesaroso, de velório. Um silêncio que passa pela péssima educação que tem o povo brasileiro, pelos baixíssimos índices de leitura, pelo parco número de livrarias, pelo pouco caso que a população, de um modo geral, faz das artes – também de um modo geral.
Não me refiro, aqui, à chamada “alta cultura”. E mesmo que me referisse a ela. É uma calamidade um livro ter, geralmente, uma tiragem de 3 mil exemplares num país de dimensões continentais como o nosso. A situação é ainda mais assustadora: sobram livros que não atingem sequer esse número de tiragem inicial – mesmo quando publicados por médias ou grandes editoras -, e sobram também obras que, pasmem, não vendem sequer mil exemplares mesmo depois de anos de exposição em livrarias.
Me refiro aos livros porque é meu habitat natural. Não custa lembrar: sou, antes de qualquer coisa, um leitor interessado no mercado editorial. Além disso, sou escritor com pretensões de experimentar a autopublicação e, quem sabe um dia, trabalhar em uma editora – ou ter minha própria editora. Sou, também, um profissional do mercado editorial, além de trabalhar em uma livraria. Os livros são o meu mundo. Mas eu poderia estar falando de CDs e DVDs, cujas vendas de cópias originais caíram vertiginosamente nos últimos anos, de exposições de arte, de peças de teatro, e até mesmo de shows de música.
Falando em números: segundo Armando Antenore, redator-chefe da Bravo!, a revista tinha “cerca de 20 mil assinantes e 8 mil compradores em bancas e supermercados. Vinte e oito mil pessoas, portanto, adquiriam a publicação mensalmente. Se levarmos em conta os parâmetros do mercado publicitário, cada exemplar tinha, em média, quatro leitores. Ou seja: uma edição atingia algo como 112 mil pessoas”. Um número baixíssimo para o potencial de leitores que tem o nosso país.
Como toda publicação, a Bravo! tinha suas deficiências, mas nem de longe pode-se dizer que era uma revista ruim, muito pelo contrário. O número de leitores, portanto, não condiz com sua qualidade. A Bravo! tinha potencial para ter, no mínimo, o dobro de leitores. Assim como todas as revistas e todos os jornais do país.
E aqui eu faço um comentário que não tinha vindo à minha mente quando pensei em escrever este texto: os órgãos de imprensa brasileiros talvez não percebam, mas se eles cobrassem ainda mais investimentos dos governos em educação, talvez isso surtisse algum efeito, e talvez a população lesse bem mais. Acredito piamente que todas as melhoras possíveis numa nação começam pela melhoria na educação de seu povo. Sem educação, nada evolui. Saúde, segurança, economia, cidadania, cultura, enfim, tudo depende da educação.
Ao cruzarem os braços para isso, os órgãos de imprensa deixam de ganhar dinheiro. Porque existem pessoas de sobra no país com linhas de pensamento semelhantes a todos os veículos em circulação. Há um sem número de garotinhas que poderiam estar comprando a revista Capricho. Há um sem número de donas de casa que poderiam estar comprando revistas de fofoca ou celebridades. Há um sem número de esquerdistas que poderiam estar comprando a Caros Amigos. Há um sem número de conservadores que poderiam estar comprando a Veja. Mas eles não têm o hábito de ler, não foram educados para isso, e há milhares que precisam escolher entre comprar um quilo de feijão ou dois por mês, e sequer aventam a possibilidade de comprar uma revista para ler. E ainda há os milhões que simplesmente não sabem ler.
A Bravo! – e as outras revistas que foram “descontinuadas” com ela, a saber: a Alfa, a Lola e a Gloss – foi vítima da péssima educação de um povo. Estou exagerando, é verdade, ao colocar tudo na conta da péssima qualidade do nosso sistema educacional, quando a crise na imprensa é mundial e passa por outros fatores, como a internet. A internet está “matando” uma série de veículos de informação em todo o mundo. Mas talvez até nisso uma melhor educação pudesse interferir.
Fui escrevendo, escrevendo e quase esqueço de mencionar o fato de que a partir de agora não posso mais me autodenominar “blogueiro de Bravo!”, título que me dava muito orgulho. O site da revista também será “descontinuado”, e depois de três anos e alguns meses, meu blog voltará a morar sozinho, sem o abrigo acolhedor do site da Bravo!. Pensei em não lamentar isso aqui, porque é até egoísta levantar essa bola num momento desses. Mas eu não poderia deixar de abordar isso, afinal, sou eternamente grato à revista – e ao João Gabriel de Lima, diretor de redação da revista durante algum tempo, que abriu as portas para o Entretantos em 2010 – pela oportunidade, e pela “vitrine”.
Enfim, é isso. Agora, só resta o lamento.
Boa reflexão, Rafa!
Eu também lamento o fim da Bravo. Era a única revista de cultura que cobria todos os tipos de arte.
obrigado, rapaz.
Concordo plenamente e estou em luto profundo também. Revistas como a Bravo e a Alfa, por exemplo, deveriam continuar por uma obrigação moral de incentivo à cultura e de torcida por melhores leitores. Ou ao menos em respeito àqueles que o tentam. Eu gostava muito da diagramação da Bravo de alguns anos atrás, tinha espaço pra arte ali, na própria feitura das páginas. E vem aquela revolta, quem insiste em tentar elevar o nível do trabalho (em música, literatura, jornalismo) morre na praia. E agora, José?
Espero que o recente canal “Arte 1”, que é o único que aborda os vários tipos de arte, não siga o mesmo caminho e tenha vida longa.