O segundo documentário da série “Na rota do dinheiro sujo”, da Netflix, foi traduzido para o português como “Indústria do consignado” e fala, é claro, sobre empréstimos consignados. Mais especificamente sobre uma empresa, a AMG Services, cujo CEO era Scott Tucker, indiciado por lavagem de dinheiro e outros crimes.
O caso da AMG chama a atenção pela esperteza de seus fundadores. Para driblar as leis de alguns estados americanos, que não permitem o estabelecimento de empresas de empréstimo consignado, eles criaram uma empresa, a 500 FastCash, e a registraram sob o nome de uma tribo indígena. Isso porque, nos Estados Unidos, tribos indígenas não respondem às leis estaduais, mas sim às federais.
Dessa forma, a empresa de Tucker poderia, via internet, emprestar dinheiro para pessoas de qualquer lugar do país. E as justiças dos estados em que essas empresas são proibidas de atuar nada poderiam fazer, porque um índio era o responsável pela empresa.
Alguém pode argumentar que Tucker e seus sócios encontraram uma brecha na lei e a utilizaram. Portanto, não fizeram nada de ilegal, e, se a lei é falha, ela deve ser reformada antes de alguém ser acusado de algum crime. Esse argumento talvez até pudesse ser levado em consideração se a 500 FastCash, e outras empresas semelhantes, tivessem um método de cobrança justo – ou se, pelo menos, elas jogassem limpo com seus clientes. Não era o que ocorria.
Na 500 FastCash acontecia assim: se você pede 500 dólares emprestado, eles te fazem pensar que o valor final do empréstimo é 650 dólares. Mas, nas letras miúdas do contrato Frankenstein – com frases espalhadas por parágrafos diferentes que, se unidas, formam um outro parágrafo -, eles colocam a informação de que, se você não entrar em contato com a empresa pedindo para pagar o montante total do empréstimo, eles vão descontar sucessivas vezes um valor referente à taxa de renovação do empréstimo, e essa taxa NÃO será abatida do valor da dívida.
O problema, claro, é que os clientes não sabiam disso, e achavam que esse valor descontado estava servindo para amortizar a dívida, como se fosse um pagamento parcelado. O documentário traz trechos de ligações de clientes para a central de atendimento da empresa. Dá para sentir o desespero na voz das pessoas. É assustador.
Também é assustador o fato de que nem Scott Tucker, nem Tim Muir, seu advogado, igualmente acusado de vários crimes, acham que cometeram uma ilegalidade, ou sequer um erro. Não há nenhum sinal de remorso ou arrependimento. Ambos dizem que seguiram as regras do jogo.
Perto do fim do documentário, um entrevistador pergunta a Scott Tucker: “você acha que é um homem ético?”, ao que ele responde: “eu sou um homem de negócios”. Acho que isso resume a personalidade do homem que fez a sua fortuna em cima do sofrimento e do desespero de pessoas em dificuldades financeiras.
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Leia sobre o primeiro episódio de “Na rota do dinheiro sujo”.
Rafael, parabéns pelas informações aqui, eu acabo de assistir a este episódio, especificamente, e estou ficando cada vez mais chocada com o que acontece no mundo. Não que a gente já não saiba que do que o seres humanos são capazes mas esse documentário, como um todo, faz a gente perder a fé em todos, não vou ser a mesma depois de ver essa ganância desmedida que o documentário retrata. Serve pra ficarmos mais atentos com todos ao nosso redor afinal os golpes nos encontram de diversas formas diferentes… Mas falando do documentário, muito bem feito, estou impressionada, não ficaram na superfície mas explicações, adorei. O que mais me chamou atenção foi do primeiro ministro da Malásia ostentando com a esposa enquanto o povo do seu país vive na miséria. Sem palavras.