“Estava tudo errado, as pessoas diziam – a relação entre clubes e torcida, a situação dos estádios e a falta de estrutura, a ausência dos torcedores de todas as decisões, tudo enfim -, e banir a venda de álcool, quando todo mundo bebia mesmo era nos pubs (e, conforme observaram muitos torcedores, é impossível ficar bêbado dentro de um estádio por causa do tamanho das filas pra comprar cerveja), não ajudaria em nada.”
O trecho acima é de Nick Hornby, em um dos textos do livro “Febre de bola“. Hornby, escritor inglês aficionado por futebol e pelo Arsenal, escreveu estas palavras meses depois da “tragédia de Heysel”, na Bélgica, quando 38 pessoas morreram antes de uma partida entre o Liverpool, da Inglaterra, e a Juventus, da Itália.
Segundo Hornby, em outro texto do livro, as mortes foram resultado de uma espécie de brincadeira dos hooligans, termo utilizado para se referir aos torcedores ingleses fanáticos, agressivos e baderneiros. Essa “brincadeira” consistia em os hooligans correrem na direção da torcida adversária gritando, fazendo ameaças, para provocar medo nos seus “adversários”, mas sem de fato cometer atos violentos. No caso de Heysel, os torcedores da Juventus, que desconheciam essa “brincadeira”, correram para uma das saídas do estádio. Um muro desabou e pessoas morreram esmagadas.
Essa foi apenas uma das tragédias relacionadas ao futebol que ocorreram na Inglaterra entre as décadas de 1970 e 1980. Várias outras ocorreram, com mais ou menos mortes. Nesse ínterim, medidas paliativas foram tomadas, mas a situação só começou a mudar de verdade depois do ocorrido na Bélgica, quando os times – atenção: os times – ingleses foram suspensos de competições da UEFA, a União das Federações Europeias de Futebol, por 5 anos, com o Liverpool sendo punido com um ano a mais.
Aqui, no Brasil, os episódios trágicos em torno do futebol estão cada vez mais frequentes. Estádios sucateados que causam mortes por desabamentos, brigas entre torcidas dentro e fora dos estádios, a relação promíscua que existe entre times e torcidas organizadas, causando situações ridículas, como torcedores do Corinthians invadindo o centro de treinamento do clube – existe a hipótese de que alguns torcedores tenham entrado pela porta da frente, ou seja, com o consentimento do clube – para cobrar desempenho dos jogadores.
No último domingo, dia 23 de fevereiro, aconteceu mais um desses episódios. Um torcedor do Santos foi espancado por, suspeita-se – e acredito que tenha sido o que realmente aconteceu -, torcedores do São Paulo, poucas horas depois da partida entre os dois times. O torcedor do Santos não resistiu e faleceu no fim da noite do domingo.
Uma das perguntas que nos fazemos, quando algo assim acontece, é a seguinte: o que leva um ser humano a espancar outro por causa de uma rivalidade futebolística?
É claro que o sentimento de tristeza é inerente ao futebol, mas ela, a tristeza, deveria se apresentar apenas como reação da equipe e da torcida derrotadas, e não manifestar-se em uma família que agora não tem mais o seu ente querido por perto.
A outra pergunta que deve ser feita é: quando isso vai acabar? Perder mandos de campo, como perderam Vasco e Atlético Paranaense, por causa da briga generalizada que ocorreu no jogo entre os times no final de 2013, em Curitiba, não vai adiantar. São necessárias medidas mais enérgicas e impactantes, assim como aconteceu na Inglaterra.
Sou são-paulino desde antes de o São Paulo ganhar seus dois primeiros títulos da Taça Libertadores e do Mundial de Clubes. Não sou um torcedor fanático, longe disso. Mas tento acompanhar sempre as notícias sobre o clube e, anos atrás, antes de o time começar a entrar em crise, cheguei a vir correndo do trabalho para casa, de modo que chegasse a tempo de pegar o início de alguns jogos da Libertadores.
Digo isso porque, num caso extremo como esse, em que torcedores do São Paulo provocaram a morte de um torcedor do Santos, defendo que o São Paulo seja sumariamente desclassificado do Campeonato Paulista. Sem direito a recurso. Defendo, também, que não apenas o São Paulo, mas todos os times sejam obrigados – não sei de que forma – a romperem relações com as torcidas organizadas. E, se for comprovado que essas relações continuam, que os times sejam desclassificados de todas as competições que iriam disputar nos próximos 12 meses. Se houver reincidência, a punição seria de dois anos, e assim sucessivamente.
É preciso tomar, urgentemente, atitudes drásticas. Somente assim, talvez, a situação no Brasil possa melhorar. Principalmente em relação à violência, tanto dentro quanto fora dos estádios. O futebol inglês, que tinha problemas parecidos com os nossos, conseguiu se reorganizar e hoje tem um dos melhores campeonatos do mundo. É verdade que são muitos os motivos que nos levam a pensar que não somos capazes de fazer o mesmo. Mas… por que não tentar?