Quando um livro é muito comentado, principalmente de um autor que gosto ou já tenho algum interesse em ler, fico meio ressabiado. Afinal, quanto maior a expectativa, maior é um eventual tombo.
Por já ter passado por situações assim, envolvendo não apenas livros, mas também filmes e discos, prefiro dar um tempo, deixar a poeira baixar um pouco e só então me dedicar à obra.
Foi um tanto por isso e também por outras questões que demorei de ler “Marrom e amarelo” (Alfaguara, 2019), mais recente livro de Paulo Scott.
Devo confessar que, ao ler as primeiras páginas, me peguei questionando não a qualidade de “Marrom e amarelo”, mas o fato de tanta gente tê-lo lido. Isso porque a escrita de Scott pode causar, num primeiro momento, um certo estranhamento. Mas, uma vez que adentramos o romance, não há mais escapatória: ficamos presos nele, até a sua última página. O estranhamento inicial logo é dissipado, e a leitura flui de uma maneira até espantosa, eu diria.
“Marrom e amarelo” nos conta a história de Lourenço e Federico, irmãos de sangue, porém não de cor. Lourenço é negro retinto, enquanto que Federico tem a pele clara. É pelo olhar de Federico, um ano mais velho que o irmão, que Scott nos guia.
Cada qual à sua maneira, os irmãos lidam com questões raciais. Lourenço, sentindo na pele (peço perdão pelo clichê), e Federico abraçando uma causa.
O romance tem início numa reunião proposta pelo governo federal para debater a questão das cotas raciais em universidades. A partir daí, somos conduzidos pelas memórias de juventude dos irmãos, e por dilemas afetivos, pessoais e profissionais de Federico.
Em certo momento, uma questão familiar se impõe. A partir daí, a história ganha ritmo e desdobramento inesperados, chegando a um final que, mesmo observado em restrospecto, o leitor não conseguiria imaginar.
“Marrom e amarelo” merece toda a repercussão que tem. Na verdade, merece mais. Não é fácil abordar questões complexas como racismo e colorismo, ainda mais na ficção. Coisa que Paulo Scott faz, aqui, de maneira irrepreensível.
Destaco, também, o projeto gráfico do livro, com a belíssima pintura de Sidney Amaral. Sua “participação especial” no romance é uma das cerejas do bolo de “Marrom e amarelo”