Chegará o dia em que, tal como Renato Valenzuela, aquele personagem de Mario Benedetti, derrotarei os espelhos. Mas, até lá, seguirei sendo vencido por meu reflexo, que, invariável e frequentemente, me ofende.
Diz ele que sou fraco, idiota, ingênuo e que cedo mui facilmente às tentações. Não necessariamente às da carne, mas também.
Ele me pergunta, quase todos os dias, por que continuo não ouvindo a minha mãe, que, mesmo estando morta há vários anos, faz ecoar em minha mente seus conselhos.
Me humilham, os espelhos. Todos eles, onde quer que os encontre. Mas me humilha principalmente o do meu banheiro. E não adianta quebrá-lo, eu sei, porque não é apenas ele que me incomoda. Qualquer espelho que encontro se acha no direito de me desacatar, diminuir, ofender, humilhar.
Além disso, de tempos em tempos ele me confronta com o tempo que me leva a saúde e me apresenta à velhice.
(Esses espelhos desgraçados com os quais convivo diariamente e nunca dividi – nem dividirei – com ninguém.)
Digo a eles que a culpa não é minha. Sou como sou porque assim fui criado. A culpa é dos meus pais – que estão mortos, então posso culpá-los sem medo. Foram eles quem me impediram de viver a vida de maneira libertina, foram eles quem me protegeram de tal maneira que, quando partiram, eu não sabia como proceder.
Sempre quiseram o meu bem, dizem os espelhos, e afirmam que não posso culpar meus pais por ser quem sou. Tive oportunidades, eles dizem, de seguir outros caminhos, tomar decisões que me fariam ter outra personalidade hoje. Para eles – os espelhos –, fui e sou um covarde. Além disso, um canalha, por culpar meus pais por um fracasso que é só meu.
Não é sempre que eles me dizem essas coisas. Porque não é todo dia que paro para conversar. Às vezes vou ao cinema – sozinho, claro – ou dedico meu tempo livre a algum livro. Passo em frente a eles apenas para pentear rapidamente o cabelo, e assim consigo ignorar, ao menos temporariamente, seus insultos.
Às vezes penso que os espelhos são como fantasmas que foram enviados para me assombrar. Hoje disse isso para um deles. Ele respondeu: “Se existe alguém que o assombra, é você mesmo. Sou apenas um espelho. Um simples e reles espelho”.
* Inspirado pelo conto “Não há sombra no espelho”, de Mario Benedetti, parte integrante do livro “Correio no tempo” (Alfaguara, 2008)