O documentário “Democracia em vertigem”, de Petra Costa, que já tinha dado o que falar na época de seu lançamento, em 2019, voltou a gerar polêmica nas últimas semanas, depois de ser indicado ao Oscar em sua categoria.
Tendo o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como principal pano de fundo, “Democracia em vertigem” narra de maneira quase didática os fatos que levaram à queda de Dilma. Além disso, o documentário trata da perseguição política sofrida pelo ex-presidente Lula e sua (in)consequente prisão, não deixando de citar o “mensalão”, o “petrolão” e as “jornadas de junho”.
Muito criticado por ter um viés de esquerda, “Democracia em vertigem” não distorce nenhum fato. Tudo o que é apresentado no documentário aconteceu da maneira que foi colocada na tela. Dilma foi derrubada não por cometer as tais “pedaladas fiscais”, mas sim pelo “conjunto da obra”, ou seja, pela crise econômica, pela falta de tato com os deputados e por uma suposta guinada à esquerda. Lula sofreu – e ainda sofre – uma perseguição por parte do judiciário brasileiro. A escalada de ódio e intolerância política tem sua gênese nas manifestações de 2013. E o PT cometeu, sim, erros.
Petra é de esquerda, mas não é boba. Estão presentes, no documentário, os erros econômicos do governo Dilma; uma crítica à aliança que o PT fez com o então PMDB de Michel Temer; e o deslumbramento, por assim dizer, do PT com as empreiteiras e outras grandes empresas brasileiras. A propósito, a tão falada e exigida “autocrítica do PT”, que já havia sido externada pelo petista Gilberto Carvalho em outro documentário também sobre o impeachment de Dilma – a saber, “O processo” (2018), de Maria Ramos -, tem seu lugar em “Democracia em vertigem”, novamente através de Gilberto Carvalho.
Graças ao histórico de militância de sua família – os pais de Petra chegaram a ser presos durante a ditadura militar – e também à sua linhagem – Petra é neta de um dos fundadores da empreiteira Andrade Gutierrez -, a documentarista teve acesso privilegiado a Dilma e a imagens exclusivas de Lula feitas por Ricardo Stuckert, fotógrafo e cinegrafista oficial do ex-presidente. Tais imagens e declarações dão um toque especial ao documentário, que também faz um breve resumo das trajetórias de Dilma e Lula – principalmente deste. A impressão que fica, após assistir “Democracia em vertigem”, é que, sem Lula, talvez não tivéssemos a volta da democracia depois de 21 anos de ditadura e talvez o Brasil jamais conhecesse os anos de esplendor que conheceu durante seus dois mandatos. Por outro lado, fica a impressão de que Lula tem seus caprichos e às vezes impõe decisões que, mais tarde, se revelam problemáticas.
Mas talvez a maior polêmica de “Democracia em vertigem” esteja relacionada à alteração digital de uma fotografia.
No documentário, Petra usou a imagem de dois militantes de esquerda mortos pelos militares durante a ditadura militar e retirou dessa imagem as armas que foram, segundo depoimentos e informações, plantadas pelos militares para forjar um confronto entre os executados e os soldados.
As críticas sobre a adulteração vieram principalmente da direita, mas também houve pessoas de esquerda recriminando o recurso. Muitos consideraram que a alteração seria uma espécie de falsificação.
O fato de Petra não mencionar a alteração em nenhum momento do documentário contribuiu para que as reclamações fossem feitas em tons pesados, alguns comparando a decisão da diretora a um crime.
Muito embora fosse prudente inserir uma observação sobre a imagem original, forjada pelos militares, ainda que no fim do documentário, a decisão de Petra não merecia tanto estardalhaço, afinal, a imagem exibida em “Democracia em vertigem” é a imagem que mais se aproxima da realidade dos fatos. Os militantes estavam desarmados quando foram covardemente assassinados pelos militares, que, redobrando a covardia, plantaram armas do lado dos corpos, de modo a fazer parecer que houve algum tipo de confronto ou ameaça.
Com a alteração da imagem, Petra mostra a cena antes da alteração criminosa, a cena verdadeira. E o que buscamos, afinal? A verdade ou a mentira?
Repleto de verdades, “Democracia em vertigem” é uma das narrativas mais simples e claras sobre os complexos acontecimentos políticos dos últimos anos no Brasil. Um documentário fundamental para quem deseja tentar entender um pouco desses tempos tão loucos.