De paixões e de vampiros, de Ruy Espinheira Filho

Faz mais de dez anos que li o romance “De paixões e de vampiros”, de Ruy Espinheira Filho. Lembro que, na época, gostei muito do livro, tanto que decidi fazer uma pequena entrevista com o autor e tentar publicar o resultado em alguma revista ou jornal. Foi o que aconteceu. Em agosto de 2009, o material foi publicado na revista Conhecimento Prático Literatura. Hoje, relendo a obra de Ruy, novamente ri e me emocionei com as desventuras do Magro, o jovem protagonista da história. Então decidi aproveitar a oportunidade para publicar aqui a conversa que tive com Ruy em 2009 e mais uma vez recomendar a leitura deste romance de formação que, para mim, é uma preciosidade.

Ruy Espinheira Filho é um dos mais premiados e bem-sucedidos escritores da atualidade. Dono de vasta obra literária, Ruy tem a poesia como gênero predileto. Tanto que o maior prêmio que recebeu, o da Academia Brasileira de Letras, em 2006, foi justamente para “Elegias de agosto e outros poemas”. Com o mesmo livro, o escritor foi finalista do Prêmio Jabuti, também em 2006, na categoria Poesia, e ficou com o segundo lugar.

Mas não é só nos versos que Ruy Espinheira Filho se destaca. Seu romance “Ângelo Sobral desce aos infernos” foi premiado, em 1985, com o segundo lugar do Prêmio Rio de Literatura. Seu livro de ensaios sobre Mário de Andrade (“Tumulto de amor e outros tumultos – Criação e arte em Mário de Andrade”) foi finalista do Prêmio Jabuti em 2002. Por isso, não é de se estranhar que seu mais recente livro publicado, o romance “De paixões e de vampiros – Uma história do tempo da Era”, seja uma obra tão bem escrita e bem acabada.

Nele acompanhamos alguns meses da vida do protagonista, a quem conhecemos por apelido (“Magro”), que tem 16 anos e vai para a fictícia cidade de Manacá da Serra para finalizar o que hoje conhecemos como Ensino Médio. Na transição da adolescência para a vida adulta – a história se passa na década de sessenta, e naqueles tempos se envelhecia mais cedo… – o Magro tem na curiosa e engraçada cidade quase todas as suas primeiras experiências fundamentais, digamos assim: o primeiro trabalho, a primeira relação sexual, a primeira despedida. Tudo isso sob os olhares e conselhos de Juvenal Andrade, seu patrão na Folha de Manacá da Serra.

O romance, que o crítico literário Wilson Martins considera ser “uma pequena obra-prima”, acontece nos meses decisivos da disputa política entre Jânio Quadros, o então General (futuramente Marechal) Henrique Lott e Adhemar de Barros, mas em momento algum seus nomes são proferidos. Os reconhecemos pelas suas alcunhas: Homem da Vassoura, General e Rouba Mas Faz, respectivamente. E, ao contrário do que se pode pensar, os momentos em que a política vem à baila são justamente os mais engraçados.

Na entrevista a seguir, concedida via e-mail, Ruy Espinheira Filho fala sobre seu romance e sobre literatura.

Esta é a quarta versão do romance. Sabemos que todo escritor nutre carinho pelos livros que escreve, mas você tem um sentimento especial por este? Fiquei com essa sensação.

É a quarta versão do livro – mas as três anteriores não foram publicadas. A história deu trabalho porque, inicialmente, ficou muito pesada, com acontecimentos e personagens demais, tive de ir desbastando para ficar uma história leve e contando apenas o essencial. Na verdade, tenho um “sentimento especial” por todos os meus livros, mas o “De paixões…” me comove especialmente por causa das memórias da adolescência, de um mundo mais alegre e ingênuo – para usar um verso famoso do Casimiro de Abreu – “que os anos não trazem mais”.

Você poderia falar um pouco sobre a situação da literatura baiana contemporânea? Li uma declaração sua dizendo que existem livros e autores bons e ruins, como sempre existiram. Mas escritores como você, Mayrant Gallo e Aleilton Fonseca, por exemplo, chegaram a um patamar que poucos outros autores baianos conseguiram. O que falta aos que não conseguiram chegar num nível diferenciado? Você arriscaria uma resposta?

Falar da literatura contemporânea é sempre difícil, pois ela ainda está se fazendo. Mas a Bahia tem, sem dúvida, nomes que vão se afirmando dia a dia, inclusive em nível nacional. Na prosa, há várias revelações, talvez mais afirmativas do que no campo da poesia, que também possui alguns nomes dos quais podemos esperar belas realizações. Mas é sempre difícil – muita gente que promete acaba não cumprindo nada, enquanto outros inicialmente apagados vão se revelar brilhantes mais tarde. Não quero citar nomes, pois os que são eventualmente esquecidos tornam-se nossos inimigos. E há o perigo maior de esquecer exatamente o que nos parece mais importante… Quanto “ao que falta” a alguns autores, direi que a uns ainda falta oportunidade, alguma sorte (Jorge Amado dizia que a sorte é fundamental), uma crítica “descobridora”, coisas assim, que acabarão acontecendo. Agora, a outros, infelizmente, falta o fundamental: talento. E aí não tem jeito mesmo.

Na sua opinião, por que a literatura baiana (e de outros estados do Nordeste) é tachada de “regionalista”, enquanto a literatura gaúcha, por exemplo, não? A resposta óbvia é o preconceito que há contra nós, baianos e nordestinos, ou não? Mas, além disso, há algo mais? Seria a nossa literatura tão boa que eles preferem não divulgar? Ou temos, nós, baianos e nordestinos, o complexo de vira-latas, definido por Nelson Rodrigues?

Sempre achei que nessa história de “regionalismo” há muito de preconceito, embora alguns teóricos alinhem argumentos a seu favor. A meu ver, em última análise, toda literatura de ficção acaba sendo regionalista, mesmo que se passe em vários países, já que se passa em “regiões”. Para mim, fica muito difícil considerar “regionalistas” livros como “Vidas secas”, “Grande Sertão: Veredas” e “Os pareceres do tempo”, para só ficarmos nestes três. Não tenho dúvida de uma grande dor-de-cotovelo de alguns setores do chamado Sul Maravilha, pois ao menos no século XX o Nordeste ganhou de goleada com seus poetas e romancistas. São Paulo se acha o centro da cultura, mas pergunto: cadê seu grande romancista? Que poeta paulistano pode se ombrear com Manuel Bandeira? Mas, deixando de lado a polêmica, o melhor mesmo é pensar que toda a verdadeira literatura, a que merece ser chamada mesmo de literatura, é universal. Lembremos a observação de Tolstói: “Se queres ser universal, canta a tua aldeia” (mais ou menos isto). Quanto ao complexo de vira-latas, caberia bem no Nelson Rodrigues, que não passou de um sabujo na ditadura militar…

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