Roberto DaMatta é um dos intelectuais mais importantes do país. Alguns de seus livros, como “O que faz o brasil, Brasil”, são referências quase que obrigatórias na área de Humanas. Pode-se discordar das opiniões e julgamentos de DaMatta, mas é importante lê-lo. Seus argumentos muitas vezes vão no cerne de diversas questões sociais e políticas.
“Brasileirismos” (Rocco, 480 págs., R$ 39,50), a mais recente reunião de artigos e crônicas de DaMatta, foi lançado em março e reúne textos publicados nos jornais “O Estado de São Paulo”, “O Globo”, “Diário de Fortaleza” e “Zero Hora”. Ao contrário do que diz DaMatta na introdução do livro, chamando a si mesmo de “um dos milhares de ‘meio bons’ existentes no mundo das letras”, os textos são muito bem escritos e a leitura flui bem. Não é o tipo de obra que se lê num fôlego só – não apenas pela quantidade de páginas -, mas daquelas que vão sendo lidas aos poucos, alguns textos hoje, outros amanhã, até que a leitura seja finalizada. DaMatta aborda temas espinhosos em boa parte dos textos, e lê-los num só fôlego pode causar fastio – não por culpa do autor, é claro.
Infelizmente, alguns dos escritos – principalmente sobre política – não perderam a atualidade. Prova disso é o trecho que segue abaixo, do texto “Conflito de interesses”, publicado em outubro de 2011 e com o qual encerro esta publicação:
“Não dá mais para continuar a operar num sistema político no qual ‘ter poder’ é distribuir cargos em vez de usar esses cargos como instrumentos de gerenciamento público. Não é mais possível pensar o ‘poder’ como algo ao sabor de pessoas, partidos e interesses – como um recurso para aristocratizar grupos que dele fazem parte por nomeação, vinculo ideológico ou eleição. Está passando o tempo no qual o governo podia ser ‘dono do Brasil’ e como tal gastar bastarda e irresponsavelmente o fruto do nosso trabalho, ignorando o país e pensando exclusivamente nos seus comparsas. O limite da demagogia que inventou esse híbrido de eleição, populismo e coalizão semipatriarcal, tem tudo a ver com a incoerência entre pessoas e papéis. Afinal, um ator medíocre não pode interpretar Hamlet, do mesmo modo que é preciso fazer com que o estado e, sobretudo, o governo sejam servidores da sociedade, a ela devolvendo o resultado do trabalho de seus cidadãos comuns. Afinal, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Essa é a questão!“