“Nós realmente precisamos de resenhas negativas de livros?” Esse foi o título do “debate” entre as escritoras Francine Prose e Zöe Heller, publicado no New York Times dia 11 de fevereiro deste ano.
(À guisa de apresentação/informação: as duas têm livros editados no Brasil. “Para ler como um escritor” e “Anne Frank – A história do diário que comoveu o mundo”, de Prose; “Anotações sobre um escândalo”, que inspirou o filme homônimo, e “Os crentes”, de Heller.)
Em seus textos, as autoras refletem sobre a utilidade das resenhas negativas. Prose começa seu artigo assim: “O mercado editorial, nós ouvimos dizer, está em crise. Então por que um escritor com sensibilidade diria às pessoas para não comprar um livro?”. Mais adiante, ela afirma que, durante um tempo, escreveu resenhas negativas, mas que depois parou. “Eu pensei: a vida é curta, prefiro passar meu tempo recomendando que as pessoas leiam as coisas que eu amo.” Mas depois retornou a escrever resenhas de livros que ela não gostou, explicando que se sente na obrigação de fazer isso, pois ela se preocupa com o futuro do mercado editorial.
Heller é mais direta. Ela diz que os escritores não são crianças que mostram seus primeiros desenhos feitos na escola para os pais, mas sim adultos que escolheram colocar seus trabalhos para apreciação do público. “Banir as resenhas negativas não é somente ruim para a cultura; é injusto com os autores.”
A essa altura o leitor já concluiu que este não é um texto favorável a “Amálgama”, o mais recente livro de Rubem Fonseca, publicado em novembro de 2013. Muito pelo contrário.
Porém, antes de escrevê-lo, refleti sobre se deveria ou não seguir adiante. Afinal, por que falar de um livro que não gostei? E, principalmente: por que falar mal de um livro de Rubem Fonseca, um de nossos maiores escritores? A resposta é… não existe um motivo especial. Comprei “Amálgama” com o intuito de escrever sobre ele, e achei injusto comigo mesmo não fazê-lo.
A obra reúne 34 textos – poemas e contos curtos – do autor nascido em Minas Gerais que aos oito anos de idade foi morar com a família no Rio de Janeiro e de lá não mais saiu. Desses 34, apenas alguns poucos lembram o autor brilhante que Fonseca costumava ser, apesar de as características de sua prosa estarem presentes em cada um deles: a crueza, a violência, as referências a livros e escritores, as mulheres, os bandidos, os menos favorecidos. Neste livro em particular, há uma outra obsessão: anões, que passeiam por várias histórias, muitas vezes sem nenhuma razão especial.
Um dos maiores defeitos de “Amálgama” é que muitos dos contos terminam de forma muito brusca. Não se pode dizer que a culpa é do tamanho dos textos, afinal, temos autores que praticam esse gênero de maneira exemplar. Marcelino Freire, Wander Piroli (1931-2006) e Menalton Braff, por exemplo. Outro problema grave é a forma como os fatos se sucedem, atabalhoadamente, denunciando uma escrita um tanto displicente. É o caso, por exemplo, de “Segredos e mentiras”, em que o protagonista decide investigar o suicídio do pai, ocorrido trinta anos antes. Ele descobre que é filho de outro homem, e que seu “ex-pai” foi, na verdade, assassinado. O enredo poderia render um bom conto, se executado de outra forma.
Além das deficiências de ordem narrativa apontadas aqui, há ainda um erro de revisão terrível na página 122. Está lá, para todo mundo ver: “… e enchem os nossos pulmões de gazes cancerígenos”. Um erro que, assim como a maioria dos contos de “Amálgama”, não deveria figurar na obra de um autor tão importante como Rubem Fonseca.
Contudo, há alguns textos que chegam a valer a pena, como os poemas “Sopa de pedra” e “Restos”, e os contos “Isto é o que você deve fazer”, “Best-seller”, “Na hora de morrer”, “Premonição”, “Os pobres e os ricos”, “Crianças e velhos” e “Foda-se”. Não fosse eles, “Amálgama” seria um péssimo livro. Conclusão? “O novo do Rubem Fonseca” é e vai continuar sendo um acontecimento literário no Brasil, e, apesar das muitas ressalvas, merece a nossa atenção.
* Nota: tomei algumas liberdades ao traduzir os trechos dos artigos de Francine Prose e Zöe Heller.